Mentiras de Moro reveladas pela #VazaJato são lançadas em livro nesta terça-feira

A cidade de Curitiba se prepara na noite desta terça-feira, às 19 horas, para a chegada do livro ‘Relações Obscenas’, que relata as mentiras do ex-juiz Sérgio Moro reveladas pela #VazaJato –a série de reportagens do site The Intercept Brasil, outros veículos de imprensa e jornalistas.

O evento será aberto ao público hoje à noite no Sindicato dos Bancários de Curitiba (Rua Piquiri, 380, bairro Rebouças).

A obra organizada pelo ‘Instituto Declatra’ foi iniciada em junho de 2019 e inspirada no trabalho do jornalista norte-americano, Glenn Greenwald, que publicou a primeira matéria com base em um vazamento, encaminhado a ele por uma fonte anônima, de conversas do procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, com o agora ex-juiz Sérgio Moro e outros procuradores envolvidos.

O prefácio de ‘Relações Obscenas’ é da lavra do jornalista Fernando Morais, que o dividiu em cinco partes:

1- “‘A’ Vítima”;

2- “As vítimas”;

Economia

3- “Os Algozes”;

4- “de O teatro das operações”; e

5- “Cai o pano”.

Os artigos distribuídos em 420 páginas analisam as primeiras repercussões após a publicação da série de reportagens pelo The Intercept Brasil, segundo o presidente do Instituto Declatra, Wilson Ramos Filho, o Xixo.

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O Blog do Esmael publica com exclusividade a introdução da obra, que tem tudo para vira best seller de não-ficção:

Introdução

Era um golpe permanente.
Nós já sabíamos

No folclore político, não são incomuns histórias em que o “cacique” regional se move com agilidade entre as diversas instâncias de poder e toma para si, como propriedade particular, todas as que detêm recursos de coação: a justiça (inclusive a eleitoral); a polícia; e mesmo as milícias, que agem com a conivência dos poderes “legalmente” constituídos. O “cacique”, por definição, é o dono do poder discricionário do Estado: domina a população com mãos de ferro; coage inimigos, eleitores e também seus próprios adeptos; manipula a Justiça e tem sempre nas mãos os cargos eletivos (para si, para sua família e para os mais leais seguidores). Em regra, detém os meios de comunicação mais importantes de seus Estados e possui uma repetidora de alguma rede de televisão importante.

Diz a lenda (que está longe de ser uma lenda) que um “cacique” nordestino, que usava o poder autoconferido no seu Estado para angariar apoio e protagonismo federal, reunia toda segunda-feira de manhã os desembargadores do Tribunal de Justiça. Eles expunham os assuntos em pauta na semana e o chefe decidia como votariam. Sem qualquer tipo de resistência. Depois o chefe político ia para Brasília exercer a sua cota de poder federal. Nem sempre, todavia, a coação legal era o seu recurso preferido. Ele usava outros expedientes igualmente assustadores: por exemplo, colocar num bimotor um adversário com pavor de voar e apenas tirá-lo do ar quando ele concordava com suas exigências.

Um outro, dos antigos, usou a justiça eleitoral do Estado para tirar o mandato de um senador de oposição. Assistiu de camarote a cassação de seu inimigo ser confirmada até na última instância sem qualquer prova, a não ser uma “delação” de compra de voto por R$ 5.

Os dois, e tantos outros caciques que se espalham por esse país que arde suas florestas em fogo vivo, tornaram-se folclore, caricatura. Certamente não são – ou foram – tão engraçados para aqueles que afrontam o seu poder, perdem mandatos, vão para a cadeia, sofrem toda a ordem de perseguição e também podem ser assassinados.

“Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei” não é apenas um dito popular. É uma realidade. Nela, a culpa e a inocência são relativas: a lei varia, a depender do objetivo político de quem a executa. Nos Estados e municípios, os usos e costumes deixam a situação às claras quando o assunto é a política. Na base social, as relações entre políticos, Justiça e facções de crime ocorrem nos bastidores. A coação, a dominação dos demais e o ganho financeiro fazem parte dessa instância de poder clandestino, muitas vezes também refém da política local.

O que isso tem a ver com a Vaza Jato, a torrente de revelações vindas a público a partir do dia 9 de junho de 2019 pelo site The Intercept Brasil, dirigido pelo premiado jornalista Glenn Greenwald, que expõe as obscenas relações entre os integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato? Onde o folclore se aproxima do domínio do então juiz de primeira instância Sergio Moro sobre os procuradores e policiais da operação, os partidos políticos, os movimentos oposicionistas contra o então partido no governo, o PT, e, pasmemos, sobre o próprio Supremo Tribunal Federal (STF)?

A publicação das conversas mantidas entre os “agentes” da operação que colocou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atrás das grades mostra com clareza irrecusável a relativização da lei e da Constituição para amoldá-las à máxima “aos amigos, tudo; aos inimigos…”.

Com chefes políticos derretidos por uma crise criada artificialmente pela Justiça, pelos meios de comunicação tradicionais e por movimentos de extrema-direita financiados internacionalmente, o conluio entre poderes ocorreria de maneira desequilibrada e o Judiciário assumiria o papel de maestro. Coube ao então obscuro juiz de primeira instância segurar a batuta – conferida a ele por forças que vão se revelando no decorrer da publicação de vazamentos que estrategicamente cozinham Moro e o procurador Deltan Dallagnol em fogo brando. Por enquanto, sabemos que ambos se preocupam com o que vão dizer “os americanos”. Pressentíamos, e a Vaza Jato mostrou, que Batman e Robin (assim pousavam Moro e Dallagnol) mantinham também relações obscenas com o STF. Tínhamos certeza, mas as mensagens trocadas, e posteriormente a ascensão de Moro a ministro do “presidente-eleito-graças-ao-Judiciário” Jair Bolsonaro, confirmam as “relações-nada-virtuosas” de ambos com o grupo político que foi eleito usando criminosamente fake news (com a aquiescência de presidentes sucessivos do TSE, Rosa Weber e Luiz Fux) e os espetáculos de última hora da Lava Jato montados contra o PT.

É lógico que a complexidade do estado permanente de golpe contra as instituições iniciado nas manobras que, no mundo político, com a aquiescência do Judiciário e com o ativismo da mídia levariam ao impeachment da Dilma, é incrivelmente maior que as obtidas pelos malévolos chefes políticos ao longo da história brasileira. A subversão institucional, o desapego às garantias democráticas, o poder de coação policial e política, os interesses em jogo, o grau de destruição do país e de seu povo, o desprezo à soberania nacional, a total ausência de humanidade – tudo isso corresponde, nesse triste período da história desse país, a uma bomba H. A ação foi rápida e o poder de destruição, avassalador. Não se tem ideia de quanto tempo esse país vai precisar para varrer o pó deixado nas celas dos injustiçados ou nos túmulos dos mortos pela miséria e pela polícia, pelo preconceito, pelo crime ou por suas posições políticas.

………….

“Dá pra proferir um rotundo ‘Eu já sabia’”, desabafa o jornalista Kiko Nogueira (“Nós já sabíamos, pg. 395), depois de relatar o papel investigativo dos chamados sites alternativos ao longo do processo que levaria o ex-presidente Lula à cadeia. E, pelas informações coletadas, dá para proferir um rotundo “Lula é inocente” ou um rotundo “É golpe” – não apenas por convicção, mas por provas. Antes da Vaza Jato, as relações obscenas entre Moro e a força-tarefa já eram tão óbvias que não precisavam de nenhuma explicação de pé de página. Nem legenda. A sintonia entre shows midiáticos garantidos pela performance pública de Dallagnol, as sentenças de Moro, as “denúncias” vazadas aos jornais pelas operações, convenientes shows pirotécnicos em vésperas de fatos políticos relevantes, não são mera coincidência.

…….

“Relações Obscenas: as revelações do The Intercept/BR”, nasceu no calor das primeiras revelações. Os autores concluíram suas participações em meados do mês de agosto de 2019. A ideia é deixar um relato para a posteridade da virada de um clima artificialmente criado pela dobradinha Mídia-Lava Jato para criar pânico e levar ao poder o grupo de extrema-direita mais obtuso e sinistro da história da República. É uma visão geral das vítimas do golpe permanente, dos seus algozes e dos efeitos de seus atos para o país e todo seu povo. Mas, para nosso deleite, é um desnudar, peça por peça, até as meias, do juiz que queria ser rei. Agora, ministro Moro, o rei está nu.

Os leitores terão o prazer de ler o prefácio do escritor Fernando Morais antes de iniciar o primeiro capítulo, intitulado “A vítima”. O prefácio e o primeiro artigo são intencionalmente sobre Lula, porque derrubá-lo foi a razão central dessa operação que se move rastejando como cobra. “Lula Livre: um grito que nasceu há quatro décadas”, de Morais, relata com a autoridade de testemunha a triste cena de Lula, preso em 1980 por liderar a greve dos Metalúrgicos de S. Bernardo, no sepultamento de sua mãe, cercado pela polícia – o que faria também como testemunha do enterro da mulher de Lula, Marisa, nas vésperas de sua segunda prisão, agora como vítima da Lava Jato; e no enterro de seu neto, Arthur, no ano passado, quando já estava preso.

O primeiro texto da primeira parte, de Juca Kfouri (pág. 15), lembra também como testemunha os fatos que precederam a prisão de Lula em maio de 1980. Em sua casa, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, numa tensa reunião, se discutia se ele deveria comparecer à missa marcada na Igreja Matriz onde, dizia-se, seria preso. Lula decidiu-se após uma observação de Zilah Abramo “O bonde da história só passa uma vez na frente da gente. Não o perca”. Foi. Foi preso posteriormente e não apeou do bonde da história nem preso, em 2018, pelo golpe permanente que se iniciou em 2014. E permaneceu como o principal passageiro da história mesmo preso, recusando-se, 38 anos após a primeira prisão, a ir para o exílio, quando era iminente a sua segunda detenção.

Na mesma parte inicial, os grandes algozes são radiografados por Tarso Genro (“A obscenidade excepcional e o direito injusto, pág 21) e por Laurindo Lalo Leal (“O jogo combinado entra a Lava Jato e a Mídia, página 25). Em seu artigo (“A ética derruída do ex-juiz”, pg 29), Mauro de Azevedo Menezes sentencia o ex-juiz que negou a democracia brasileira a uma pena digna de Prometeu: “Sergio Moro (…) tornou-se agora, no cotejo da ética judicial, um perseguidor arbitrário, sedento de glória e poder, afastado de sua sagrada função de magistrado, por ter contaminado o principal julgamento de sua carreira com a pecha vergonhosa da parcialidade e da degradação”. Lula deu ao carrasco o holofote; o carrasco, desavisadamente, caiu no alçapão.

Gustavo Conde (“Os sentidos da aniquilação” pg, 43) define o trabalho do Prêmio Pullitzer Glenn Greenwald como um divisor de águas. (Greenwald) “desafiou não apenas o mais célebre sistema de lawfare já constatado no campo do direito: ele identificou uma rede complexa de conspirações que transcendem a mera expectativa de punição pontual”.

A partir dessa primeira parte, que expõe a trama contra o maior líder político que esse país já teve, os demais autores expõem as consequências do ataque organizado não apenas contra Lula, mas contra todo o país: há uma lista extensa de vítimas do golpe em andamento; um pesado número de algozes; a montagem de um espetáculo, um “showzinho da direita” e, por fim, a análise dos primeiros dias após cair o pano, onde os atores têm as máscaras tiradas pelo The Intercept.

………………

Que brasileiro não foi vítima desse processo? A democracia sobreviveu a esse rasgar do Pacto Social que, bem ou mal, foi feito entre as forças políticas que redesenhavam a democracia brasileira na promulgação da Constituição de 1988? O que colocaremos no lugar da democracia representativa e do Judiciário, que teoricamente deveriam garantir o governo da maioria e o direito igual para todos?

Na lista de vítimas, na Segunda Parte, podemos observar a preocupação dos democratas que acorreram para registrar seu testemunho nesse volume da Enciclopédia do Golpe. O Estado de Direito foi o grande atingido.
O golpe à soberania do país é registrado com detalhes pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães (“A Lava Jato e os objetivos dos EUA para a América Latina”, pg 81), num relato que não deixa dúvidas de que, a exemplo de 1964, os EUA manipularam as instituições brasileiras para atender aos seus próprios interesses estratégicos na região. O vínculo estreito do golpe em movimento com os EUA tem evidências avassaladoras, registradas também por GRAZZIOTIN (pág. 91), SEVERO (pg. 97 e UCHÔA (pág. 103).

No mesmo golpe, foram atingidos a Justiça Social, a Ética, a Política, a Advocacia e, é claro, as pessoas, a razão em si do Estado de Direito.

A lista de algozes não é menos extensa e 15 autores se dedicam a analisá-los. PRONER e NEUENSCHWANDER (pág. 219), atentas desde o golpe ao processo de Lawfare a que o ex-presidente Lula é submetido, registram nos vazamentos do The Intercept a prova de que a Justiça foi usada – e usou as leis – como arma política. O objetivo não era acabar com a corrupção, mas com um líder popular e governos que garantiram alguma justiça social e a democracia. MELO FILHO (pág 233), co-coordenador do livro, juiz do Trabalho e ex-integrante do Conselho Nacional do Ministério Público, coloca o dedo na cicatriz deixada na instituição pela ineficácia disciplinar do seu órgão de controle – e ARAGÃO, ex-integrante do MP, aponta para a “degeneração institucional” do órgão (pag. 245). A corrupção entre os operadores da Lava Jato, a ligação até funcional com os EUA e o papel que desempenharam na própria ascensão da direita brasileira não passam incólumes.

Estão competentemente registradas as relações promíscuas, criminosas e obscenas entre a mídia tradicional e a Operação Lava Jato. Na página 325, os leitores poderão acompanhar o trabalho de CARRARO, SANTANA e AZENHA, que num trabalho de pesquisa importante conseguiram estabelecer a relação entre os vazamentos seletivos (preferenciais à Rede Globo), os fatos de importância dos últimos anos (as vésperas da votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e as vésperas da eleição de 2018) e o resultado político do “showzinho da Lava Jato” – o impeachment e a virada eleitoral pró-Bolsonaro. O perigoso papel desempenhado pela mídia também é a preocupação de MIELLI (pág. 335); BORGES (pág. 407) e CHAIA (pág. 403).

Quando se observa, agora à luz dos vazamentos, o teatro onde se desenrolavam as operações da Lava Jato, que envolveu atores tão importantes e diversos, se escondia a pequenez dos principais operadores. A ofensiva que iria acabar com a corrupção no País, segundo a mídia hegemônica, é armada e executada por personagens estreitos, sem cultura, brilho ou preocupação com o país. Move-os o poder, ganhos pecuniários e um prazer imenso de manipular as instituições e a história e deturpar a realidade. Disso se trata a Parte 4 (SALEH, BARRETO LIMA E ROCHA; ARAÚJO; SILVEIRA; COSTA; RODRIGUES; E SKINNER). São usados, mas demonstram um grande prazer em portar o chicote. Rss, como diria Dallagnol em suas mensagens no Telegram divulgados pelo The Intercept.

Na Parte seguinte (Cai o Pano), a intenção dos autores foi principalmente mostrar que para jornalistas comprometidos com a notícia, o Brasil que emergiu das denúncias do The Intercept já era claro desde sempre. Greenwald mostrou a prova. “De início veio o verbo mal declinado; depois veio Gleen Greenwald”, sentencia Lourdes Nassif num texto bem-humorado (e, convenhamos, precisamos de algum bom humor para aguentar o peso que nos deixou a Lava Jato) em que conta a narrativa farsesca da grande mídia, quando sobravam evidências e informações da mídia alternativa de que tudo não passava de uma grande mentira.

Vou terminar essa apresentação voltando ao início, ao artigo de Kiko Nogueira, que relata um trabalho de Sísifo dos sites alternativos de desmontar farsas e vê-las novamente montadas no dia seguinte. É quando lembra a insistência da Rede Globo, em seguidas entrevistas ao candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, em tirar dele e do PT uma “autocrítica” – sem, aliás, deixar muito claro a que exatamente se referiam. “O Brasil aguarda ansiosamente a autocrítica sobre Moro, Dallagnol, Janot et caterva”, devolve Nogueira, arriscando o palpite de que ela “não virá”.

“Nós já sabíamos”, conclui.